Consumo, logo existo
FACUNDO GUERRA

Consumo, logo existo

Já faz alguns anos que insisto que empreendedores precisam politizar seus negócios, por algumas razões: se com nossos negócios formos ser concorrentes das corporações (cada vez mais inchadas e anabolizadas), na oferta de produtos e serviços, fatalmente perderemos. Contra uma corporação tudo vira commodity, e o jogo das commodities é vencido por quem tem mais caixa ou melhor preço.

Para fugir do commodity, precisamos injetar uma certa paranoia em nossas ofertas: além de diferenciação de produto (raramente uma corporação é berço de inovação), devemos arriscar mais em nossas narrativas e comunicação. Daí que a politização do discurso vem a calhar. Se você tentar agradar a todes, fatalmente não será lembrado. E não ser lembrado, nestes dias em que as nossa atenção virou o grande produto do capitalismo informacional, é o mesmo que não existir.

Pós-pandemia, a grande catalisadora, tudo se acelerará. Não dá pra jogar runas e prever o futuro, mas de uma coisa é certa: o mundo entrará em crise. Já entrou, aliás. E se essa pandemia nos ensinou algo, é que não existe nada de democrático numa crise: ela afeta tudo, mas de maneira desigual. Desta crise e de seus mares revoltos emergirá um novo consumidor, um que preza pela verdade.

Essa verdade pode ser traduzida por um consumidor que, entre muitas características, investe na economia circular e se preocupa cada vez mais com as consequências e impactos daquilo que consome, ou ele simplesmente deixará de consumir e tentará produzir, consertar, trocar ou fazer escambo com aquilo que acumulou ao longo dos anos. Falando em acúmulo, tampouco as novas gerações estarão dispostas a esfalfarem suas vidas para que possam ganhar mais dinheiro para comprar mais coisas. Experiências, que já era uma palavra importante pré-pandemia, agora virá pra ficar. Ou você vende um mundo para seu cliente do qual seu produto faz parte, ou ele criará um mundo sem você.

Mas como isso se verifica na prática? Tem uma cena do filme “Queen & Slim”, lançado no ano passado, que exemplifica isso à perfeição. Aliás, recomendo com veemência que você assista este filme. Na cena de abertura, um casal faz seu primeiro date após um match no Tinder. O restaurante onde eles fazem seu primeiro jantar é meio tosco, puído, nada romântico, um diner de beira de estrada. Queen, a personagem feminina, não parece estar satisfeita com o pedido de seu pretendente. Quando ele é servido e sua refeição chega um tanto desmaiada, ela pergunta: “você vai comer isso?”, com um ar de nojo. Ao que ele responde: “sim, vou comer isso. Eu conheço a dona desse diner. Mulher solteira, cria duas filhas na unha. A comida não é bonita, mas o preço é justo”. Queen fica em silêncio e volta à carga um minuto depois: “confesse. Você não tinha dinheiro para pagar um jantar melhor pra mim, né?”. Ao que ele responde: “sim, tinha”. “Então por que me trouxe pra essa espelunca?”. “Porque a dona da espelunca é negra”. Obviamente que nossos dois protagonistas eram também negros.

Touché. Nenhum quadradinho preto postado em seu feed de instagram com #vidasnegrasimportam pode ser mais efetivo do que você comprar de umx empreendedorx negrx. Seu negócio precisa ser político, ou ele será deixado de lado por consumidores cada dia mais politizados.

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