FACUNDO GUERRA

Como dono de clube, boites, baladas, seja lá como você quiser chamar, entre outros espaços de convivência, (já abri quatro baladas ao longo dos últimos 15 anos), posso dizer duas coisas a respeito da tragédia da Mari Ferrer: a primeira é que existe uma cultura na área de entretenimento que favorece o estupro, e esse foi um aspecto pouco abordado nas discussões que li sobre o caso. Por exemplo, em grande parte dos clubes do Brasil mulheres não pagam, ou pagam com desconto a entrada neles. Elas pagam, sim, mas com seus corpos: a lógica por trás é “vamos encher o clube de mulher bêbada, porque os homens, grandes gastadores, irão atrás delas”. Consequentemente, mulheres são objetificadas e feitas de ração para macho tóxico.

A outra é que acho absurda a ideia de que num lugar onde as pessoas estão intoxicadas, fora de si, possa existir um camarote privativo longe do olhar público, onde só MUITO dinheiro te permite acesso. Normalmente esses espaços são alugados por gente que é rica, poderosa, e se acha acima da lei.

Cultura do estupro

Eu odeio camarotes, desde o Vegas. Se eles existiram em algum empreendimento meu, eles estavam diante dos olhos dos outros. Ou seja, criar uma área privativa, sem câmeras ou seguranças, dentro de um espaço público onde as pessoas estão intoxicadas, é sim ser cúmplice com quaisquer crimes que aconteçam dentro desses espaços. Um espaço privativo em um lugar onde as pessoas estão bem loucas é também criminoso e deveria ser abolido à força da lei.

Existe uma cultura que favorece o estupro, do clube onde ele aconteceu ao judiciário, porque desde o primeiro momento as mulheres são vistas pelo patriarcado como objetos de consumo dos homens.

E o que isso tem a ver com o tema do empreendedorismo, você pode estar se perguntando? Tudo. Será que Mari teria sido estuprada caso o clube não permitisse a existência de privacidade seletiva, apenas onde os muitos ricos podem ter acesso (e isso criaria uma reflexão sobre como a privacidade virou algo acessível apenas para milionários, mas não vou criar este desvio agora). Será que isso teria acontecido se mulheres não pagassem e fossem convidadas a beber de graça no tal do camarote, sem supervisão, presas dessa cultura que explora seus corpos?

Acredito que não. Quando você empreende, você deforma a realidade à sua volta. Literalmente. Você cria uma nova realidade, onde as pessoas acabarão por interagir com ela. Empreender é criar um mundo e, nesse sentido, é como montar um aquário. Você é responsável pelo mundo que cria, e esse mundo pode transformar a vida das pessoas em múltiplas dimensões. Muitos empreendem apenas pensando em si e no que desejam para suas vidas. São poucos os que conseguem entender o peso da responsabilidade de colocar algo no mundo que irá influenciar a vida de pessoas, mais além dos seus próprios umbigos. Empreender é exercitar a empatia, palavra da qual muito se ouve, mas pouco se vê. Não permita que a sua criação, por descuido seu, machuque outras pessoas. Você será eternamente responsável por aquilo que criou.

FACUNDO GUERRA
——
Você está recebendo este email porque se cadastrou no website Facundo Guerra.
Parar de receber emails como este